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Mischné Torá, de Moisés Maimônides (1135-1204), foi concluído pelo autor em 1180, tarefa que lhe exigiu muitos anos. Para compreender devidamente o alcance e o significado dessa obra verdadeiramente monumental, cumpre ter presente que os judeus não tomam o Velho Testamento como um bloco único, devendo-se essa praxe aos cristãos, graças ao que se denominou de Novo Testamento. Na tradição judaica, os cinco livros do Pentateuco formam um corpo autônomo, designado comoTorá (a Lei), na qual a figura central é Moisés. Estuda-se os 613 mandamentos ali contido, que Maimônides subdividiu em 248 preceitos positivos e 365 preceitos negativos, isto é, proibições. Segundo aquela tradição, a Torá foi ditada por Deus a Moisés em torno de ano 1200 antes de Cristo, logo depois do êxodo do Egito. Os demais livros do que chamamos de Velho Testamento estão agrupados deste modo; os 21 iniciais constituem o Nevim, considerado como o relato histórico do povo de Israel desde a morte de Moisés à destruição do Primeiro Templo e o chamado exílio da Babilônia (586 antes de Cristo). Os textos subseqüentes constituem oKatuvim, reunindo relatos históricos e de outra índole (o livro de Job, por exemplo).

Em torno da Torá criou-se uma grande tradição de comentários orais, somente compilados em nossa era, por volta do ano 200. Na opinião do rabino Joseph Telushkin, autor de vasta caracterização das principais tradições judaicas, (Jewish Literacy. The most important things to know about Jewish religion. New York, Willkiam Morrow, 1991), compilação tão tardia deve-se ao fato de que os rabinos supunham que o texto oral obrigava os alunos “a manter relações estreitas com seus mestres, entendendo que os mestres, e não os livros, conservam melhor a tradição judaica”. Essa primeira compilação é conhecida como Talmud da Babilônia, que, por sua vez, suscitou novas discussões a ela agregadas, por volta do ano 400, noTalmud Palestino. Esses ensinamentos são conhecidos como Mishná.

Mishná Torá, de Moisés Maimônides, compreende 14 livros, sendo que costuma ser divulgado, separadamente, o primeiro (O livro da sabedoria,(1)justamente onde contém a sistematização da Torá, isto é, dos ensinamentos de Moisés).

Na Introdução, Maimônides reconstitui o processo de transmissão oral da lei mosaica até a compilação. Tal se deu, segundo entende, devido à diáspora, sendo necessário que todos dispusessem de um manual que os pudesse acompanhar em sua peregrinação. “Em nossos dias – continua – intensificam-se as vicissitudes e as aflições mais severas e todos sentem a pressão de tempos difíceis. O conhecimento de nossos sábios desapareceu; a compreensão de nossos homens prudentes esta destruída”. Parece-lhe assim ser necessário restaurar “a prática correta com relação ao que é proibido ou permitido e as outras regras da Torá”. “Sob estas premissas, eu, Moisés, filho de Maimon, o Sefardita, pus-me em movimento, cingido de coragem e contando com a ajuda de Deus...”

Segue-se uma ordenação esquemática dos 613 preceitos e a apresentação do conteúdo dos quatorze livros. Sobre o primeiro livro, escreve ao autor: “Incluo nele todos os preceitos que constituem a essência e os principais ensinamentos de Moisés, nosso Mestre, que são necessários para que se conheça, desde o início a unicidade de Deus e a proibição à idolatria. Chamei este livro de Livro da Sabedoria.

Resumidamente, os demais livros tratam, o segundo, das preces e dos rituais (Livro do amor); o terceiro do Sabah e em geral das festividades (Livro dos períodos); o quarto, das relações no casamento e a questão do divórcio (Livro das Mulheres); no quinto, as proibições quanto a relações sexuais ilícitas e em relação a alimentos (Livro da santidade); no sexto, promessas e juramentos (Livro da Magnificência); no sétimo, fainas agrícolas (Livro das sementes); no oitavo, a construção de santuários e sacrifícios públicos regulares (Livro do Serviço); no nono, sacrifícios trazidos pelos indivíduos (Livro dos sacrifícios); décimo, coisas ritualmente puras e impuras (Livro da pureza); décimo primeiro, relações civis que possam causar danos à propriedade ou injúria à pessoa (Livro dos prejuízos); décimo segundo, vendas e aquisições (Livro da aquisição); décimo terceiro, relações civis relativas a empréstimos e débitos, que não causem inicialmente danos a outrem (Livro dos julgamentos); e, finalmente, décimo quarto, a aplicação da justiça (Livro dos juízes). (Ver também A Bíblia e MAIMÔNIDES).


(1) Em português dispõe-se apenas deste texto, tendo a edição brasileira, da Imago, somente aparecido em 2000. Precedentemente haviam sido publicados apenas os mandamentos (Os 613 mandamentos, São Paulo, Nova Estela, 1990).