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Bernard Mandeville nasceu em Roterdam, em 1670. Ingressou na Universidade de Leyden muito jovem, aos 15 anos, formando-se em medicina em 1694, quando tinha apenas 21 anos. Seguiu a mesma especialidade de seu pai (neurologia e aparelho digestivo). Em meados da década esteve na Inglaterra para aperfeiçoar seus conhecimentos de inglês. Segundo seus biógrafos, encantou-se com o país, achando sua maneira de ser muito agradável. Em fins do decênio transferiu-se em definitivo para Londres, onde viveu até a morte, em 1733, aos 63 anos de idade. Na capital inglesa viria a ser médico bem sucedido.

Ocupa uma posição singular no curso dos debates de que resultaram a plena separação da moral social tanto da religião como da moral individual. Combateu, de modo tenaz, durante cerca de três décadas, toda atitude moralizante como ineficaz e inócua. Ao fazê-lo contribuiu para dar à discussão caráter eminentemente teórico, isto é, desvinculando-a do empenho de transformar-se de pronto numa espécie de diretriz governamental. É uma figura central e sem considerar suas idéias, e o contexto polêmico em que as elaborou, difícil se torna reconstituir o processo de formação, na Inglaterra, na primeira metade do século XVIII, daquilo que se convencionou denominar de ética social, isto é, uma disciplina que se propõe investigar os fundamentos da moral social. Tenha-se presente que este é um problema posterior à reforma protestante. No período anterior, a Igreja Católica é que estabelecia, unilateralmente, o comportamento social admitido.

Mandeville é autor de extensa bibliografia, embora se haja tornado famoso pelo livro A fábula das abelhas (1714), que leva o significativo subtítulo de "vícios privados, virtudes públicas". O livro foi refundido e acrescido de novos ensaios primeiro em 1723, para, finalmente, ser publicado em duas partes em 1732. A fábula é a seguinte: havia uma sociedade próspera e feliz, repleta de virtudes públicas produzidas por vícios privados, quando um dia Júpiter decidiu mudar as coisas e tornar virtuosos a todos os indivíduos. Em conseqüência disto, desapareceu efetivamente a ambição, o desejo de lucro e de luxo, mas ao mesmo tempo desaparecem a indústria e tudo quanto fazia com que a sociedade fosse próspera e feliz. Com essa opinião pretende Mandeville que a civilização seja, como queriam os "pessimistas" do tipo de Hobbes, resultado dos interesses egoísticos dos homens, reconhecendo entretanto que a moral atua como freio e restaura o equilíbrio, dando razão também aos "otimistas" (Shafsterbury).

Na época em que Mandeville fixou residência na Inglaterra, estruturara-se um movimento de cunho moralista, muito atuante e de grande influência. Denominava-se Sociedade para a Reforma dos Costumes e, a partir de 1699, publica uma espécie de manual para orientação de seus seguidores (A Help to a National Reformation), contendo todas as leis que puniam atos atentatórios à moral. Esse volume mereceu nada menos que vinte edições até 1721. Nesta última, registra-se que a sociedade havia levado aos tribunais cerca de duas mil denúncias contra atos imorais no ano anterior. No período precedente, desde que se fundara a entidade, o número de tais ações superava 75 mil. Nos anos trinta, a entidade não mais desfruta do relevo com que contara até então.

A campanha em prol da moralização dos costumes era conduzida de forma a fazer crer que as pessoas não virtuosas eram de fato autênticos inimigos do Estado.

Em suma, a idéia geral era a de que a estabilidade política achava-se na dependência do exercício virtuoso da cidadania. Os mais extremados chegavam mesmo a afirmar que a imoralidade e a dissolução dos costumes vigentes no país atrairiam certamente a ira divina. O terremoto que atingiu Londres em 1692 e as grandes tempestades de 1703 eram considerados como expressões da cólera de Deus.

As primeiras manifestações de Mandeville dão-se precisamente para contestar essas crenças. Começam em 1704 com a publicação de uma coletânea de fábulas e prosseguem nos anos subseqüentes até a publicação, em 1714, da primeira versão ordenada de sua obra básica, A fábula das abelhas. (Ver também BUTLER, Joseph).