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Com As Duas Fontes da Moral e da Religião (1932), Bérgson retoma a investigação iniciada por Biran e explora uma de suas intuições básicas, como indicaremos.

Segundo Bérgson, se bem que a sociedade seja constituída de vontades livres, isto é, que o homem preserve o livre arbítrio, transforma o hábito em algo semelhante ao que a necessidade representa para aqueles organismos que agem por instinto. O sistema de hábitos pressiona a vontade de cada um dos membros da sociedade de modo que acabam por fazer com que esta última imite aquelas plenamente instintivas, de que o formigueiro é um exemplo típico. Os caminhos traçados pela sociedade tornam-se imanentes a cada um de seus membros, sem que cheguemos a nos dar conta. E quando nos encontramos diante de uma situação exigente de decisão pessoal, a sociedade é mobilizada dentro de nós, fazendo com que emirja o que Bérgson denomina de totalidade da obrigação, que define deste modo: “o extrato concentrado, a quintessência que contraímos, no sentido de obedecer a milhares de exigências particulares da vida social.” Engendra-se desse modo o que classifica como moral fechada. A convivência social, ao contrário do que supunha Augusto Comte, não engendra o amor da humanidade mas o amor ao grupo social ao qual cada um se integra.

Mas eis que na sociedade surgem os santos, criando a possibilidade de uma outra moral, a que chama de aberta. “Os santos não precisam exortar. Basta-lhes existir. Sua existência é um apelo “ – escreve. E a alma se integra a uma nova espécie de sociedade, “uma sociedade que é a humanidade inteira, amada no amor daquilo que é o seu princípio.”

Henri Bérgson (1859/1941) coroa o processo de estruturação do espiritualismo francês, cujas bases seriam lançadas por Maine de Biran (1766/1824). A partir de Descartes, a filosofia francesa reivindica a superioridade do espírito, reivindicação que acabaria sendo contestada pelo empirismo radical, emergente ainda no século XVIII, e que viria a nutrir uma longa tradição cientificista. Biran iria estabelecer que o empenho de compreender a realidade espiritual não poderia prescindir da experiência nem da ciência. Em suma, postula que o espiritualismo acompanharia o desenvolvimento científico – ao invés de recusá-lo como fizera a Escolástica e a filosofia católica que a sucedeu, posição que somente seria revista em fins do século XIX. Nem por isto, entretanto, deixou de ter seus pontos de vista  ignorados pela tradição cientificista.

Desde Kant, ficara estabelecido que as categoriasque servem para ordenar o conhecimento da realidade – e constituem uma espécie de ossatura da ciência – não provêm da experiência e Hegel tentou provar que haviam sido criadas no confronto entre filósofos desde a Grécia Antiga. Biran tentará fundar na experiência algumas delas, notadamente aquelas que poderiam ratificar a autonomia do espírito, frontalmente negada pelo empirismo francês. Numa investigação que o seu tempo considerou como rigorosamente adstrita às regras da pesquisa científica, pelo exame acurado do ato voluintário (por exemplo: quando movo o meu braço sem qualquer incitamento externo), Biran demonstrará   a realidade do espírito e a maneira pela qual este cria noções tais como eucausa e liberdade. Mas encontrou dificuldade em fazê-lo no que se refere à idéia de Bem, elemento de que carecia para colocar também a moral sob a égide da experiência, sem negar a espiritualidade como se dava  na visão dos empiristas.

Nessa investigação, Biran irá sugerir que a vivência dos místicos, para a humanidade tomada em seu conjunto, seria equivalente ao que o ato voluntário representava para os indivíduos isolados, ao abrir espaço a uma outra realidade. Bérgson segue esse caminho, procurando integrar a experiência mística á meditação filosófica, do mesmo modo como fizera em relação ao evolucionismo.

Sendo judeu, Henri Bérgson não se propunha separar a moral da religião. Deixou-a, portanto, na dependência dessa última, quando a sociedade ocidental moderna, tendo incorporado a pluralidade religiosa, exigia que se buscasse outros fundamentos para o que Max Weber denominou de moral social de tipo consensual. (Ver também BERGSON, HenriWEBER, Max e (As) Variedades da experiência religiosa, de William James)


Assim denominam-se termos tais como igualdade, relação, causalidade, etc.