C

Jacob Burckhardt (1818-1897) nasceu na Basiléia, situada na parte setentrional da Suíça, nas proximidades dos principados alemães que se reuniram ainda em sua vida (1870) para constituir a Alemanha. Estudou na Universidade de Berlim, quando foi discípulo de Ranke.(1) Tornou-se docente no Instituto Politécnico de Zurique, onde ensinava história da arte. Adquiriu um profundo conhecimento da cultura italiana e, em geral, da Roma e da Grécia antigas, tendo deixado, entre outras obras, a História Cultural da Grécia (em cinco volumes), A Era de Constantino, o grande e o texto clássico dedicado ao Renascimento. Antes do aparecimento de A cultura do Renascimento na Itália, em 1860, Burckhardt publicou, em 1855,O Cicerone, que de certa forma o completa porquanto se trata de um guia histórico dos tesouros da arte italiana. Talvez por isto, no livro dedicado ao Renascimento, dispensou-se de voltar a considerar este aspecto marcante daquela época. Tendo viajado sucessivamente à Itália, Burckhardt era verdadeiramente apaixonado pelo país e por sua cultura.

O livro começa por um amplo painel da estrutura estatal vigente na Itália, considerando que essa construção seria empreendida como se se tratasse de uma verdadeira obra de arte. Quer fazer sobressair a singularidade em relação ao Ocidente, pela presença de múltiplas formas de governo, todas interessadas em impedir a unidade, a começar do Papado. Descreve-as de forma detalhada, as tiranias, tanto as do século XIV como as do seguinte; as grandes dinastias; a oposição aos tiranos e as repúblicas. Afirma que ali, “pela primeira vez, o espírito do Estado europeu moderno manifestou-se livremente, entregue aos seus próprios impulsos”. Depois de estabelecer esta espécie de pano de fundo, estuda as manifestações que afirmam a individualidade. A esse propósito, escreve: “Na Idade Média, ... o homem reconhece-se a si próprio apenas enquanto raça, povo, partido, corporação, família ou sob as demais formas do coletivo. Na Itália, pela primeira vez, tal véu dispersa-se ao vento, desperta ali uma contemplação e um tratamento objetivo do Estado e de todas as coisas deste mundo. Paralelamente a isso, no entanto, ergue-se também, na plenitude de seus poderes, o subjetivo: o homem torna-se um indivíduo espiritual e se reconhece enquanto tal”.

Burckhardt ocupa-se dos diversos segmentos da cultura, além da política – e da influência que sobre esta exerceria a própria cultura – a saber: as obras científicas e literárias, a moral e a religião, e ainda o que denominou de “redescoberta da Antigüidade”. Entende que “não foi a Antigüidade sozinha, mas sua estreita ligação com o espírito italiano, presente a seu lado, que sujeitou o mundo ocidental”. O italiano é “o primogênito dentre os filhos da Europa atual”, enquanto Petrarca(1) foi “um dos primeiros homens inteiramente modernos”.

Burckhardt entende que o livro que, modestamente, designou, no título, como “um ensaio”, correspondia a uma interpretação e a uma visão pessoais, que poderia perfeitamente ser refutada. “Em obras de história geral – afirma –, há espaço para diferenças de opinião quanto aos objetivos e premissas fundamentais. De modo que o mesmo fato pode, por exemplo, afigurar-se essencial e importante a um escritor, mas nada mais do que mero entulho, sem qualquer interesse, a outro”. Sem embargo, o livro tornou-se um texto clássico e uma das obras capitais para a compreensão do Renascimento. (Ver também Figuras e idéias da filosofia do Renascimento, de MONDOLFO, Rodolfo).


(1)  Ludolf Von Ranke (1795-1886) é considerado como o principal iniciador do estabelecimento de princípios científicos para a elaboração da história, tendo-lhe atribuído como principal missão reconstituir como “os fatos se passaram”. Embora o verdadeiro sentido do conhecimento histórico haja suscitado grandes disputas, Ranke encaminhou a historiografia numa direção capaz de assegurar a sua sobrevivência quando movimentos políticos, sobretudo de inspiração marxista, buscaram instrumentalizá-la, colocando-a a serviço de seus objetivos.

(1)  Francesco Petrarca (1304-1374) foi o primeiro dos grandes humanistas do Renascimento. Sua glória repousa nos poemas e sonetos mas também no interesse pelos textos clássicos, que ajudou a difundir.