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                                 include '../include/menu.php'?>
                                
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                                              Dicionário das Obras
                                                        Básicas da  
                                                Cultura Ocidental  
                                                       
                                                      Antonio Paim 
                                                      Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z 
                                             
                                            
                                            
                                                
                                              (A) Sociedade Feudal,
                                              de Marc Bloch
                                              A Sociedade Feudal (1939-1940),
                                                de Marc Bloch, representa uma
                                                contribuição essencial
                                                para a adequada compreensão
                                                do feudalismo, fenômeno
                                                complexo que os marxistas tentaram
                                                reduzir a uma verdadeira caricatura.
                                                Adicionalmente, revolucionou
                                                a periodização
                                                da Idade Média. 
                                                 
                                                Convencionou-se denominar de
                                                Idade Média a um período
                                                extremamente dilatado, abrangendo
                                                cerca de um milênio (da
                                                segunda metade do século
                                                V, quando se consuma o término
                                                do Império Romano, e a
                                                fase de decadência do Papado,
                                                que começa em fins do
                                                século XV). Além
                                                disto, foi englobadamente classificada
                                                como Idade das Trevas, o que
                                                não corresponde à  verdade,
                                                sobretudo quando pretende referir-se à atuação
                                                da Igreja Católica, que
                                                variou muito ao longo do tempo. 
                                                 
                                                Partindo de uma rigorosa conceituação
                                                de feudalismo, a obra de Bloch
                                                permitiu situar o seu início
                                                com a reconstituição
                                                do Sacro Império, no século
                                                X. Carlos Magno (742-814) reintroduz
                                                a idéia de Império,
                                                agora não apenas Romano
                                                mas Romano-Germânico. O
                                                Sacro Império de Carlos
                                                Magno desmorona no próprio
                                                século IX e a Europa assiste
                                                a novas incursões de húngaros,
                                                normandos e árabes. Considera-se
                                                que esta seja uma nova fase da
                                                barbárie, fome e peste.
                                                A unidade religiosa parece abalada.
                                                Semelhante quadro prolonga-se
                                                até aproximadamente os
                                                meados do século X. 
                                                 
                                                A reconstituição
                                                do Sacro Império é obra
                                                de Oto I, coroado em 962. A nova
                                                onda de invasões bárbaras é detida,
                                                eliminadas as incursões
                                                dos bandos sarracenos, os normandos
                                                se estabelecem de forma estável
                                                no Norte da França, os
                                                húngaros, poloneses, boêmios
                                                e escandinavos aderem ao cristianismo.
                                                Recomposta a situação,
                                                inicia-se uma fase de prosperidade
                                                que desemboca na chamada Alta
                                                Idade Média dos séculos
                                                XII e XIII, de grande florescimento
                                                cultural. 
                                                 
                                                A decadência começa
                                                de fato com a decomposição
                                                do Papado, que a notável
                                                historiadora Bárbara Tuchman
                                                (1912-1989) faz recair no período
                                                1470-1530. 
                                                 
                                                A noção habitual
                                                de feudalismo consiste em compreendê-lo
                                                como uma forma de propriedade
                                                distinta tanto das economias
                                                organizadas com base no trabalho
                                                escravo como da produção
                                                capitalista. Essa visão é de
                                                todo insubsistente mesmo para
                                                o ciclo em que a Idade Média
                                                está  formada, isto é,
                                                em que as cidades abrigam os
                                                homens bons e as corporações
                                                de ofícios enquanto os
                                                feudos assemelham-se a autarquias,
                                                o grande poder da Igreja está nos
                                                mosteiros e os reis presidem
                                                a territórios de configuração
                                                variada. Mesmo quando a Europa
                                                assume tal feição
                                                - que resulta do processo civilizatório
                                                do cristianismo mas também
                                                da consolidação
                                                dos feudos, como veremos - os
                                                barões feudais não
                                                são simples proprietários
                                                de terra - além de que
                                                a transformação
                                                dessa posse num instituto hereditário
                                                seja fenômeno tardio -
                                                porquanto caracterizam-se sobretudo
                                                como guerreiros. 
                                                 
                                                Para compreender a natureza real
                                                do novo ingrediente que deixaria
                                                marcas notáveis na cultura
                                                ocidental, cumpre ter presente
                                                a situação de insegurança
                                                a que foram lançados os
                                                povos que integravam o Império
                                                Romano no ciclo subseqüente às
                                                invasões bárbaras.
                                                Tendo os sarracenos consumado
                                                a ocupação do Norte
                                                da África e da Península
                                                Ibérica, ao mesmo tempo
                                                em que se consolida o Império
                                                Bizantino, o problema em tela
                                                diz respeito à área
                                                que corresponde, grosso modo,
                                                ao território da Europa
                                                Ocidental e Central, com exclusão
                                                da Espanha e Portugal. 
                                                 
                                                Mesmo depois que os germanos
                                                tornam-se sedentários,
                                                convertem-se ao cristianismo
                                                e buscam incorporar costumes
                                                e instituições
                                                romanas - o que abrange aproximadamente
                                                dos séculos VI ao primeiro
                                                quartel do século VIII
                                                - o que de certa forma restaura
                                                a paz e a ordem na mencionada
                                                parcela da Europa, continuam
                                                fustigados por bandos de salteadores. 
                                                 
                                                Marc Bloch reconstitui a história
                                                de alguns daqueles bandos. Assim,
                                                perto da atual Saint-Tropez,
                                                na Riviera, os sarracenos construíram
                                                um forte por volta do ano 890,
                                                de onde atacavam povoados e mosteiros
                                                cada vez mais distanciados, apropriando-se
                                                do que tivesse valor e fazendo
                                                prisioneiros para vendê-los
                                                como escravos nos territórios
                                                sob ocupação  árabe.
                                                Preservaram-se relatos impressionantes
                                                da selvageria dessas incursões. 
                                                 
                                                Enquanto a parte meridional da
                                                Europa Ocidental era assim fustigada
                                                pelos sarracenos, sobre as zonas
                                                centrais desabavam os salteadores
                                                húngaros. A partir de
                                                906 atuam sistematicamente no
                                                vasto território que abrange
                                                desde o Elba até o Reno.
                                                Mais tarde alcançam a
                                                Lorena e a Gália do Norte,
                                                de onde se aventuram até a
                                                Borgonha e o sul do Loire. 
                                                 
                                                Sob Oto I, na segunda metade
                                                do século X, as hordas
                                                húngaras seriam por fim
                                                empurradas de volta para o território
                                                que ocupavam no Centro da Europa,
                                                assumindo o confronto, a partir
                                                de então, a feição
                                                de guerra de fronteira. O comando
                                                militar germânico, organizado
                                                para esse fim e que se denominou
                                                de Ostarrichi é que
                                                deu origem, posteriormente, ao
                                                território da Áustria.
                                                Com a sucessiva conversão
                                                do cristianismo e a adoção
                                                das instituições
                                                romanas, os húngaros renunciam à atividade
                                                pela qual infernizaram a vida
                                                em grande parte da Europa durante
                                                mais de um século. 
                                                 
                                                Mencione-se finalmente os bandos
                                                organizados pelos escandinavos
                                                e que nos legaram tantas histórias
                                                lendárias sobre as proesas
                                                dos vikings. Vistas à  distância
                                                são de fato proezas notáveis
                                                daqueles punhados de homens em
                                                seus pequenos barcos realizando
                                                incursões tão distanciadas
                                                de seus territórios. A
                                                admiração a que
                                                se creditaram, entretanto, não
                                                obscurece o fato de que disseminaram
                                                o terror na parcela da Europa
                                                a que não haviam chegado
                                                sarracenos e húngaros.
                                                Assim, um bando de vikings dominou
                                                Santiago de Compostela, na Espanha,
                                                de 966 a 970. Nas margens do
                                                Mar do Norte não havia
                                                qualquer segurança. Foram
                                                derrotados na Borgonha, por várias
                                                vezes, junto às muralhas
                                                de Chartres, em 911, mas acabaram
                                                sendo admitidos nos territórios
                                                onde se constituiu a Normandia.
                                                A própria Paris foi vítima
                                                de seus ataques. 
                                                 
                                                Nesse quadro, a segurança
                                                tornou-se uma questão
                                                capital. Justamente dessa circunstância é que
                                                nascem os feudos. Os senhores
                                                feudais consolidaram-se em determinados
                                                territórios ao assegurar
                                                proteção aos que
                                                dela careciam. Em troca desse
                                                serviço teceram-se as
                                                complexas relações
                                                que caracterizam o sistema. 
                                                 
                                                O guerreiro feudal sedentário,
                                                em torno do qual se aglutinam
                                                sucessivos grupos sociais, é uma
                                                figura que presumivelmente será encontrada
                                                na tradição precedente.
                                                Os documentos através
                                                dos quais se preservaram informações
                                                relativas ao Império de
                                                Carlos Magno indicam que este
                                                recomendava às populações
                                                que escolhessem um chefe militar
                                                para protegê-los. No passado
                                                europeu aparece igualmente a
                                                doação de terras,
                                                a guerreiros destacados, pelo
                                                príncipe vitorioso. Contudo,
                                                como muito apropriadamente afirma
                                                Marc Bloch, em que pese possua
                                                a instituição feudal
                                                ingredientes colhidos entre os
                                                povos germânicos e no próprio
                                                passado europeu da época
                                                romana, mais importante que averiguar
                                                tais origens é  estabelecer
                                                as características de
                                                que se revestiu na fase de consolidação. 
                                                 
                                                Entre o senhor feudal e seus
                                                súditos estabelecem-se
                                                relações definidas
                                                pela repetição
                                                continuada ao invés de
                                                resultarem de imposições
                                                exteriores ao contexto. O camponês
                                                trabalha a terra e fornece comida
                                                a seu senhor. Mas a este compete
                                                assegurar que o plantio e a colheita
                                                possam ser realizados a salvo
                                                dos bandos salteadores. De igual
                                                modo, as regras para a formação
                                                da cavalaria são fixadas
                                                pela experiência e a tradição,
                                                o mesmo ocorrendo em relação às
                                                corporações de
                                                ofícios e às comunas.
                                                Surge assim o direito consuetudinário.  
                                                 
                                                O sistema feudal introduziu na
                                                cultura ocidental um novo componente
                                                representado pelo contrato de
                                                vassalagem. Assim como o senhor
                                                feudal tem sua base de sustentação
                                                na forma adequada pela qual presta
                                                serviço ao conjunto dos
                                                grupos que lhe estão subordinados,
                                                também ele estabelece
                                                um contrato com o príncipe,
                                                ao apoiá-lo na guerra,
                                                recebendo em troca o reconhecimento
                                                de seus direitos. O contrato
                                                de vassalagem com o Príncipe,
                                                tenha-se presente, não
                                                impedia as guerras e disputas
                                                entre senhores dentro de um mesmo
                                                território, no intervalo
                                                dos conflitos externos, de maior
                                                dimensão. Por isto mesmo
                                                o contrato de vassalagem representa
                                                um instituto essencial e distintivo
                                                da cultural ocidental. Seria
                                                esta a nova periodização
                                                da Idade Média facultada
                                                pela obra de Bloch: 
                                                 
                                                I - Século VI a meados
                                                do século IX, em
                                                que se poderiam apreender as
                                                características dominantes
                                                da nova fase histórica
                                                e que resumiríamos desta
                                                forma: a) presença de
                                                uma religião universal;
                                                b) separação entre
                                                Igreja e Estado, ao contrário
                                                do que ocorria tanto em Bizâncio
                                                como no Islã, embora instaure
                                                uma tensão nunca satisfatoriamente
                                                resolvida; c) prevalência
                                                da componente civilizatória
                                                no cristianismo, pela circunstância
                                                de que se tratava de converter
                                                povos de tradições
                                                culturais inteiramente diversas,
                                                por isto chamados de bárbaros;
                                                e, d) preservação
                                                da idéia de Império. 
                                                 
                                                II - Segunda metade do século
                                                IX à segunda metade do
                                                século X, ciclo em
                                                que a civilização
                                                européia de base cristã esteve
                                                ameaçada de desaparecimento
                                                o que, presumivelmente, não
                                                terá ocorrido graças à consolidação
                                                dos feudos, base em que se apoiaria
                                                o florescimento subseqüente
                                                da sociedade medieval. 
                                                 
                                                III - Período de apogeu,
                                                que pode ser limitado apenas à chamada
                                                Alta Idade Média dos séculos
                                                XII e XIII, como de forma mais
                                                ampla para abranger desde o século
                                                XI ao século XV; e, finalmente, 
                                                 
                                                IV - Período de decadência,
                                                iniciado com a crise do Papado,
                                                que começa em fins do
                                                século XV. 
                                                 
                                                (Ver também BLOCH,
                                                Marc). 
                                                
                                                
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