Sermões, de
                                                Joseph Butler
                                                
                                                Nos Sermões sobre
                                                a natureza humana (Butler's Fifteen
                                                Sermons, edited by T. A.
                                                Roberts, London, Society for
                                                Promotion Christian Knowledge,
                                                1970, p. 17-39), Butler desenvolve
                                                plenamente suas idéias
                                                acerca dos elementos presentes à ação
                                                do homem. No primeiro, parte
                                                da afirmação de
                                                que "fomos feitos para a sociedade e
                                                para o bem de nossos semelhantes",
                                                sem embargo de que "devemos
                                                ser zelosos de nossa própria
                                                vida, saúde e bens privados".
                                                E prossegue: "... existe
                                                no homem um princípio
                                                natural de benevolência,
                                                que em certa medida representa
                                                para a sociedade o que o amor-próprio significa
                                                para o indivíduo. E se
                                                existe na humanidade alguma disposição
                                                para a amizade; se existe algo
                                                como a compaixão, que é o
                                                amor momentâneo; se existe
                                                algo como as afeições
                                                paternal e filial; se há alguma
                                                afeição na natureza
                                                humana, cujo objeto e fim seja
                                                o bem de outro, isto será a
                                                própria benevolência
                                                ou o amor do outro".
                                                
                                                Em seguida, Butler menciona "apetites,
                                                paixões e afeições
                                                particulares", a seu ver
                                                completamente distintas do amor-próprio
                                                e da benevolência que,
                                                de igual modo, "têm
                                                a tendência a promover
                                                o bem público e o privado".
                                                Reconhece que costumam ser confundidas
                                                e, para distingui-las, sugere
                                                que se procure diferenciar as
                                                próprias paixões
                                                e apetites do esforço
                                                para alcançar os meios
                                                de sua gratificação.
                                                
                                                No homem há ainda um outro
                                                princípio, que consiste
                                                na capacidade de reflexão
                                                para aprovar ou desaprovar suas
                                                próprias ações.
                                                Assim o conceitua: "Este
                                                princípio no homem, pelo
                                                qual ele aprova ou desaprova
                                                seu coração, temperamento
                                                e ações é a
                                                consciência, isto no sentido
                                                estrito do termo, embora algumas
                                                vezes seja usado em sentido mais
                                                amplo. E que esta faculdade tende
                                                a impedir os homens de fazer
                                                o mal aos outros, guiando-os
                                                para o bem, é tão
                                                manifesto que se torna desnecessário
                                                insistir. Assim, o pai tem a
                                                afeição do amor
                                                por seus filhos; isto leva-o
                                                a cuidar deles, educá-los,
                                                a fazer provisões para
                                                eles; a afeição
                                                natural leva-o a isto, mas a
                                                reflexão de que isto é uma
                                                atitude adequada, de que lhe é próprio,
                                                que é correto e recomendável
                                                fazê-lo, isto faz com que
                                                a afeição se torne
                                                um princípio muito mais
                                                harmonioso e leva-o a dedicar
                                                mais trabalho e a vencer as dificuldades
                                                em proveito de seus filhos, do
                                                que experimentaria em relação
                                                aos filhos a partir apenas da
                                                afeição ou se a
                                                encarasse ao curso da ação
                                                como indiferente ou criminosa.
                                                Deveras é impossível
                                                fazer o bem e não aprová-lo,
                                                razão pela qual freqüentemente
                                                não são consideradas
                                                distintas estas duas coisas,
                                                embora na verdade o sejam; porque
                                                os homens muitas vezes aprovam
                                                as ações dos outros,
                                                que não imitarão,
                                                do mesmo modo que farão
                                                o que não aprovam. Não
                                                poderá ser de forma alguma
                                                negado que existe o princípio
                                                da reflexão ou da consciência
                                                na natureza humana".
                                                
                                                Tenha-se presente que, ao destacar
                                                esse conjunto de princípios
                                                que servem para nortear as ações
                                                dos homens, Butler considera
                                                que são inferidos diretamente
                                                da observação.
                                                Encara a humanidade como algo
                                                de unitário, enxergando
                                                correspondência plena,
                                                em todos os homens, tanto no
                                                que se refere às sensações
                                                internas como no empenho de evitar
                                                a desonra e a dor física,
                                                do mesmo modo que alcançar
                                                a estima e o amor. As pessoas
                                                tendem naturalmente umas para
                                                as outras e o fato de que possamos
                                                observar melhor esse relacionamento
                                                em pequenas comunidades não
                                                decorre de que esteja presente
                                                apenas nelas. As circunstâncias
                                                concretas e as divisões
                                                artificiais constituem tão
                                                somente ocasiões para
                                                que se manifeste aquela tendência.
                                                A oportunidade para o relacionamento
                                                não teria qualquer significado
                                                na ausência de uma disposição
                                                interior, como também
                                                a inexistência da oportunidade
                                                seria razão suficiente
                                                para o isolamento dos homens,
                                                o que não ocorre. Na sua
                                                visão, nada demonstra
                                                melhor a existência do
                                                princípio real da benevolência
                                                do que os eventos, pelos quais
                                                todos passamos, quando sentimos
                                                vergonha pelo outro, percebemos
                                                o perigo iminente que pode afetá-lo,
                                                comungamos de sua tristeza e
                                                assim por diante.
                                                
                                                Ainda no Primeiro Sermão,
                                                Butler se pergunta de onde provém
                                                a prática do mal contra
                                                os outros e, adicionalmente,
                                                contra si próprio. A seu
                                                ver, em que pese a presença
                                                do mal no mundo, não existe
                                                propriamente amor pela injustiça,
                                                a opressão, a traição
                                                ou a ingratidão. Ocorre
                                                que, na busca de tais ou quais
                                                bens exteriores, desejados com
                                                ansiedade, o homem perde o senso
                                                da medida. Os princípios
                                                e paixões, que se distinguem,
                                                como vimos, tanto da benevolência
                                                como do amor próprio,
                                                primeiro e mais diretamente levam
                                                ao comportamento adequado em
                                                relação aos outros
                                                e a si mesmos, e só secundária
                                                e acidentalmente para o que é mau.
                                                Observa-se que, para escapar
                                                da vergonha de um ato vil, os
                                                homens sejam às vezes
                                                culpados de coisas piores. Contudo,
                                                a tendência original da
                                                vergonha é prevenir ações
                                                vergonhosas e não estimulá-las.
                                                Há certamente no mundo
                                                pessoas sem afeições
                                                naturais por seus semelhantes
                                                do mesmo modo que sem afeições
                                                naturais e comuns para consigo
                                                mesmo. Ainda assim, destaca, "a
                                                natureza do homem não é para
                                                ser julgada por alguns deles
                                                mas pelo que aparece no mundo
                                                comum, no conjunto da humanidade".
                                                
                                                O Segundo e Terceiro
                                                Sermões correspondem
                                                a aprofundamento dos temas propostos.
                                                Assim, no que se refere à inexistência
                                                de maior concordância quanto
                                                ao que seja o modelo do interior
                                                do homem, parece a Butler que
                                                isto ocorre ao tomar-se algo
                                                de episódico ou peculiar
                                                a determinado temperamento -
                                                ou mesmo o simples efeito de
                                                certos costumes particulares
                                                - como sendo princípios
                                                mais altos. Apesar disto, é imprescindível
                                                mostrar esses princípios
                                                aos homens, a fim de que se tornem
                                                capazes de reconhecê-los.
                                                Ademais, "as indicadas obrigações
                                                de virtudes e dos motivos que
                                                forçam a sua prática,
                                                decorrentes de um exame da natureza
                                                humana, devem ser considerados
                                                como um apelo dirigido ao coração
                                                e à consciência
                                                natural de cada pessoa particular,
                                                como os sentidos externos são
                                                instados a atestar as coisas
                                                por eles cognoscíveis".
                                                
                                                Trata também de esclarecer
                                                qual possa ser o sentido profundo
                                                da indicação de
                                                que o homem deve seguir a sua
                                                natureza. Mais uma vez ressuscita-se
                                                aqui a clássica questão
                                                de saber-se se o homem não
                                                terá  sido feito também
                                                para o mal, porquanto o faz seguindo
                                                aos seus instintos. Depois de
                                                insistir em que se pode falar
                                                de natureza em diversos sentidos,
                                                estabelece que o princípio
                                                da consciência, que declara
                                                algumas ações como
                                                justas e outras como erradas
                                                e injustas, não corresponde
                                                a um princípio qualquer,
                                                igual aos outros, mas ao princípio
                                                supremo, de que fala São
                                                Paulo, na Epístola
                                                aos Romanos (2.14), daquilo
                                                que faz com que o homem, naturalmente,
                                                seja uma lei para si mesmo.
                                                
                                                Para tornar ainda mais manifesta
                                                a superioridade do princípio
                                                da consciência, Butler
                                                recorre à clássica
                                                distinção entre
                                                poder e autoridade. A consciência
                                                não se destina apenas
                                                a "ter certa influência" mas
                                                para aprovar ou desaprovar as
                                                ações, isto é,
                                                para exercitar uma autoridade.
                                                Ao que acrescenta: "tivesse
                                                ela força, como tem direito;
                                                tivesse poder como tem autoridade,
                                                e governaria o mundo de modo
                                                absoluto".
                                                
                                                Da maneira como se expressa,
                                                Butler parece ter em vista o
                                                que Kant, logo depois, chamará de
                                                imperativo categórico.
                                                Veja-se, por exemplo, como argumenta
                                                no Terceiro Sermão:
                                                
  "Mas aceitando-se que a humanidade possui o bem dentro de si, podemos
  nos perguntar: "Quais as obrigações que devemos aceitar
  e seguir?" Eu respondo: já foi provado que o homem, pela sua natureza, é uma
  lei para si mesmo, sem as considerações particulares seja das
  sanções positivas dessa lei seja das recompensas e castigos que
  pressentimos e tudo aquilo em que a luz da razão nos ajuda a acreditar
  seja a isto acrescido. Logo, a pergunta tem sua própria resposta. Sua
  obrigação consiste em obedecer à lei, por ser a lei de
  sua natureza. Que a sua consciência aceite e aprove tal linha de comportamento é já de
  si mesmo uma obrigação. A consciência não só se
  oferece para mostrar-nos o caminho que devemos seguir, mas da mesma maneira
  a reveste de sua própria autoridade, que é  nosso guia natural,
  o guia dado a nós pelo autor da nossa natureza. Portanto, pertence à nossa
  condição de ser, é nossa obrigação seguir
  esse caminho e seguir esse guia, sem olhar ao redor para ver se é possível
  dele sairmos com impunidade".
                                              Butler avança, finalmente,
                                              uma noção de interesse
                                              na qual nada há de pejorativo.
                                              Acha mesmo ser inquestionável,
                                              no caminho natural da vida, o aparecimento
                                              de alguma inconsistência
                                              entre o nosso dever e o que é chamado de
                                              interesse. O interesse é a
                                              felicidade e a satisfação.
                                              Ainda que seja confinado ao mundo
                                              material, o interesse geralmente
                                              coincide com a virtude e nos conduz
                                              ao único e mesmo caminho
                                              da vida. Por maiores que sejam
                                              as exceções, está firmemente
                                              convencido de que, em presença
                                              de mente perfeita e sadia, "corresponde
                                              a óbvio absurdo supor que
                                              o mal prevalecerá finalmente
                                              sobre o bem: . (Ver também BUTLER,
                                              Joseph; Características
                                              do homem, de Anthony
                                              Ashley Cooper, MANDEVILLE,
                                              Bernard; e Investigação
                                              sobre os princípios da moral,
                                              de David Hume).
                                              
                                               
                                               
                                               
                                               
                                               
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