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                                 include '../include/menu.php'?>
                                
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                                              Dicionário das Obras
                                                        Básicas da  
                                                Cultura Ocidental  
                                                       
                                                      Antonio Paim 
                                                      Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z 
                                             
                                            
                                            
                                                
                                              SARTRE, Jean-Paul 
                                              Jean-Paul Sartre nasceu em Paris
                                                em 1905 e faleceu nessa mesma
                                                cidade, aos 75 anos, em 1980.
                                                Tornou-se uma das mais poderosas
                                                influências nas décadas
                                                iniciais do pós-guerra.
                                                Depois de trabalhar como professor
                                                do Liceu, de haver estudado em
                                                Berlim a obra de Heidegger e
                                                de ter sido prisioneiro dos alemães
                                                durante a guerra, fundou (1945),
                                                em Paris, Temps Modernes,
                                                revista que conseguiu granjear
                                                enorme prestígio e reunir
                                                intelectuais de renome. De início,
                                                Sartre tentou popularizar a sua
                                                interpretação do
                                                pensamento de Heidegger, através
                                                de artigos e ensaios mas sobretudo
                                                na obra O ser e o nada (1943).
                                                Diante da rejeição
                                                do próprio Heidegger,
                                                avançou versão
                                                autônoma no livro O
                                                existencialismo é um humanismo (1946)
                                                e passou a divulgá-la
                                                através de obras literárias,
                                                em especial peças de teatro.
                                                Essa proposta exauriu-se rapidamente
                                                e, em 1960, proclamou que o marxismo
                                                era o saber de nosso tempo, cabendo
                                                ao existencialismo um pequeno
                                                segmento para investigação
                                                (Crítica da razão
                                                dialética). Antes
                                                dessa mudança, Sartre
                                                iniciara o rompimento com a proposta
                                                ontológica centrada no
                                                indivíduo singular pelo
                                                projeto de redenção
                                                social através da mediação
                                                do proletariado. A inconsistência
                                                teórica dessa autêntica boutade seria
                                                cabalmente demonstrada por Maurice
                                                Merleau-Ponty (1908-1961) na
                                                obra Les aventures de la
                                                dialectique (1955). 
                                                 
                                                A capitulação de
                                                Sartre diante do marxismo não
                                                alterou a posição
                                                dos comunistas em relação
                                                a ele. O PCF continuou criticando-o
                                                com a dureza de sempre. 
                                                 
                                                Os estudiosos consideram que
                                                o verdadeiro feito sartreano
                                                consiste em haver reabilitado
                                                o niilismo. 
                                                 
                                                A melhor definição
                                                de niilismo seria devida a Friedrich
                                                Wilhelm Nietzsche (1844-1900).
                                                Embora a sua obra haja sido dedicada à  difusão
                                                de uma atitude existencial que
                                                correspondesse àquele
                                                entendimento, uma definição
                                                clara somente aparece nos fragmentos
                                                reunidos sob a denominação
                                                de Der Wille zur Macht – que
                                                no Brasil veio a ser traduzida
                                                como Vontade de potência – publicados
                                                nas Obras Completas,
                                                cuja edição foi
                                                iniciada ainda em vida do autor
                                                mas concluída apenas na
                                                primeira década do século. 
                                                 
  É a seguinte a definição de que se trata: “O niilismo
  não é somente um conjunto de considerações sobre
  o tema tudo é vão; não é somente a crença
  de que tudo merecer morrer, mas consiste em colocar a mão na massa,
  em destruir ... É a atitude dos espíritos fortes e das vontades
  fortes, que não podem satisfazer-se apenas com o juízo negativo:
  a negação ativa corresponde melhor à sua natureza profunda”. 
   
                                                Diversas circunstâncias
                                                acabaram por permitir a ampla
                                                difusão do niilismo na
                                                Alemanha. O Super-Homem nietzscheano
                                                foi cantado em prosa e verso,
                                                levando à adesão
                                                maciça dos alemães
                                                ao projeto que levou à  Primeira
                                                Guerra Mundial. A derrota fez
                                                nascer um profundo ressentimento
                                                que conduziu ao totalitarismo
                                                nazista, cuja virulência
                                                chocou a opinião pública
                                                européia. À derrota
                                                militar de Hitler deveria ter
                                                correspondido a derrota do niilismo
                                                no plano cultural, o que não
                                                ocorreu, entre outras coisas,
                                                pela difusão que veio
                                                a merecer na França, graças
                                                sobretudo a Sartre. 
                                                 
                                                Assim, as novas gerações
                                                foram levadas a esquecer o desastre
                                                a que conduziu a Alemanha. Essa
                                                reabilitação teve
                                                um plano teórico de difícil
                                                compreensão por haver
                                                consistido no acréscimo
                                                de certas noções,
                                                muito herméticas, ao conceito
                                                de dasein (existente
                                                singular) de Heidegger, que traduziu
                                                como ser-em-si. Mas foi amplamente
                                                difundido através de peças
                                                teatrais, muito bem sucedidas
                                                no seio da juventude. 
                                                 
                                                Como em Heidegger, o existente
                                                singular teria uma estrutura
                                                sustentadora. Em Sartre seria
                                                o ser-em-si. Este carece entretanto
                                                de todo relacionamento e o nosso
                                                acesso limita-se ao ser-para-si
                                                (espécie de equivalente
                                                ao ser-no-mundo heideggeriano).
                                                A estrutura fundamental será  descoberta
                                                pelo exame do ser-para-o-outro,
                                                isto é, do existente singular
                                                voltado seja para as coisas seja
                                                para os outros existentes singulares.
                                                No referido exame revela-se a
                                                estrutura essencial e fundamental
                                                do ser-para-si.  Trata-se
                                                do fato de sua necessária
                                                liberdade. Sucessivamente o ser-para-si
                                                será reduzido ao seu próprio
                                                projeto que terminará inevitavelmente
                                                no fracasso. Como Deus, o homem
                                                está  igualmente só em
                                                sua angústia. Deve exercitar
                                                a sua liberdade sem qualquer
                                                ponto de referência. Essa
                                                gratuidade do projeto humano
                                                torna-se mais clara nas peças
                                                de teatro, como As moscas ou O
                                                diabo e o bom Deus. 
                                                 
                                                Sartre declara expressamente
                                                que sua ontologia não
                                                pode dar lugar a prescrições
                                                morais. Mais do que isso, cuida
                                                de relativizar a noção
                                                de mal. 
                                                 
                                                A melhor avaliação
                                                da consistência teórica
                                                da ontologia sartreana seria
                                                devida a Nicola Abbagnano na
                                                obra História da Filosofia.(1) 
                                                 
                                                No entendimento de Abbagnano,
                                                a conclusão fundamental
                                                da ontologia de Sartre poderia
                                                ser resumida deste modo: equivalência
                                                de todas as atitudes humanas
                                                posto que nascem de uma eleição
                                                absolutamente livre. Prossegue
                                                afirmando que a tese de que a
                                                eleição é absolutamente
                                                livre significa: 1º) que
                                                não se subordina a qualquer
                                                norma, intrínseca ou pressuposta:
                                                2º) que todo valor nasce
                                                só dela (da eleição)
                                                e por ela, valendo apenas nos
                                                limites do projeto concreto que
                                                dela surge; e, 3º) que a
                                                eleição é  responsável
                                                do mundo, neste não havendo
                                                portanto situações
                                                desumanas, situações
                                                que possa considerar estranhas
                                                a mim, homem, que as elegi. 
                                                 
                                                Na visão de Abbagnano,
                                                por seu caráter incondicional,
                                                a eleição de Sartre
                                                recorda a postura dos filósofos
                                                românticos dos começos
                                                do século XIX, padecendo
                                                dos mesmos defeitos, isto é,
                                                a suposição de
                                                que a eleição e
                                                a liberdade seriam infinitas
                                                e infinitamente criadoras. O
                                                próprio Sartre o torna
                                                explícito ao dizer que
                                                o projeto fundamental do homem é  ser
                                                Deus. 
                                                 
  É certo que supõe ser o homem um ser fracassado – acrescenta,
  prosseguindo do modo adiante resumido. É difícil compreender,
  não obstante, a possibilidade do fracasso na filosofia de Sartre. Os
  pressupostos românticos introduzem o seguinte dilema: ou minha eleição é  absolutamente
  livre e o mundo tal qual o projetei, ou então sou responsável
  e não existe fracasso; ou o fracasso acompanha todas as minhas eleições
  e ao próprio projeto fundamental e então não sou responsável. 
   
                                                Concluindo Abbagnano escreve
                                                que Sartre pretendeu, de acordo
                                                com a tradição
                                                filosófica francesa, afirmar
                                                a liberdade contra a negativa
                                                de sua possibilidade efetivada
                                                por Heidegger. Mas não
                                                se deu conta de que a liberdade
                                                absoluta coincide com a necessidade.
                                                Dizer que o mundo  é,
                                                em todos os casos, tal qual o
                                                elegi, significa dizer: 1º)
                                                que todas as eleições
                                                são equivalentes; 2º)
                                                que a eleição é o
                                                fato de eleger; 3º) que
                                                todos os fatos se justificam
                                                como eleições e,
                                                finalmente, 4º) que é impossível
                                                escolher entre os fatos. A eleição
                                                absoluta equivale à impossibilidade
                                                de escolher. E a impossibilidade
                                                não é liberdade. 
                                                 
                                                Como se evidencia da brilhante
                                                análise de Abbagnano,
                                                do ponto de vista teórico
                                                a ontologia sartreana, restauradora
                                                do niilismo, carece de qualquer
                                                consistência teórica.
                                                Entretanto, teve sucesso retumbante
                                                entre a juventude que, com a
                                                rebelião de 1968, tentou
                                                a negação absoluta
                                                da realidade, para reconstituí-la
                                                a partir do nada. Como em Nietzsche,
                                                o niilismo, por sua própria
                                                natureza, leva à destruição
                                                efetiva, factual e não
                                                apenas no plano do pensamento.
                                                Como pôde ocorrer uma tal
                                                enormidade exige que se tenha
                                                presente a fragilidade revelada
                                                pelas instituições
                                                do sistema representativo, na
                                                França do pós-guerra,
                                                bem como a instabilidade política
                                                reinante. 
                                                 
  É duvidoso que a tentativa de recompor o niilismo, na França,
  se haja traduzido em alguma forma de enriquecimento da filosofia francesa.
  Progressivamente abandonados em seu país de origem, os autores que fomentaram
  tal atitude parecem haver encontrado solo fértil nos Estados Unidos.
  De todos os modos, permanece o desafio que Albert Camus (1913-1960) endereçou
  a Sartre e Malraux em fins de 1956: “que tal se nós, que vimos
  todos do nietzscheanismo, do niilismo e do realismo histórico, que tal
  se anunciássemos publicamente que estávamos enganados; que existem
  valores morais e que daqui para a frente faremos o que for necessário
  para os estabelecer e ilustrar?”(1) (Ver
  também Ser e Tempo). 
                                              
                                                
                                                  
                                                    (1)  Vamos
                                                    tomar por base a tradução
                                                    espanhola (Barcelona, 1956).
                                                    A avaliação
                                                    considerada encontra-se no
                                                    Tomo III, p. 510-516.   
                                                 
                                                
                                                  (1) Apud
                                                    Tony Judt. The Burden
                                                    of Responsability: Blum,
                                                    Camus, Aron and French Twentieth
                                                    Century. Chicago, University
                                                    of Chicago Press, 1998.  
                                                 
                                               
                                                
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