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                                 include '../include/menu.php'?>
                                
                           | 
                            
                                
                                
                                    
                                        
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                                              Dicionário das Obras
                                                        Básicas da  
                                                Cultura Ocidental  
                                                       
                                                      Antonio Paim 
                                                      Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z 
                                             
                                            
                                            
                                                
                                              (O) Sagrado e o profano,
                                                de Mircea Eliade 
                                                 
                                                  O sagrado e o profano,(1) do
                                                  pensador romeno Mircea Eliade
                                                  (1907-1986), resume o essencial
                                                  da investigação
                                                  do notável estudioso.
                                                  Eliade não se deixa
                                                  impressionar pela secularização
                                                  promovida pela Época
                                                  Moderna Ocidental, convencido
                                                  que está de  que
                                                  muitas das atitudes dos modernos
                                                  encontram sua explicação última
                                                  na religiosidade do homem.
                                                  O livro estuda a experiência
                                                  religiosa, detendo-se no exame
                                                  da construção
                                                  das idéias de espaço
                                                  e tempo, e, finalmente, da
                                                  vivência religiosa propriamente
                                                  dita. Na conclusão examina
                                                  especificamente o tema do sagrado
                                                  e do profano no mundo moderno. 
                                                   
                                                Para Mircea Eliade, o homem toma
                                                conhecimento do sagrado porque “este
                                                se manifesta, se mostra como
                                                qualquer coisa de absolutamente
                                                diferente do profano”.
                                                O autor romeno propõe
                                                o termo hierofania para
                                                indicar o ato da manifestação
                                                do sagrado; esse termo, aliás, é prático,
                                                porquanto apenas exprime o conteúdo
                                                etimológico, a saber que “algo
                                                sagrado se nos mostra”.
                                                As religiões não
                                                são mais do que o encadeamento
                                                de hierofanias. Nelas, encontramo-nos
                                                diante de algo misterioso: a
                                                manifestação de
                                                uma realidade diferente, que
                                                não pertence ao nosso
                                                mundo, através de objetos
                                                que formam parte dele. No fato
                                                da hierofania aparece, no sentir
                                                de Mircea Eliade, um paradoxo
                                                que ele destaca da seguinte forma: “(...)
                                                Manifestando o sagrado, um objeto
                                                qualquer torna-se outra coisa,
                                                e contudo, continua a ser ele
                                                mesmo, porque continua a participar
                                                do seu meio cósmico envolvente.
                                                Uma pedra sagrada nem por isso é menos
                                                uma pedra; aparentemente (com
                                                maior exatidão: de um
                                                ponto de vista profano) nada
                                                a distingue de todas as demais
                                                pedras. Para aqueles a cujos
                                                olhos uma pedra se revela sagrada,
                                                a sua realidade imediata transmuda-se
                                                numa realidade sobrenatural.
                                                Por outros termos, para aqueles
                                                que têm uma experiência
                                                religiosa, toda a natureza é suscetível
                                                de revelar-se como sacralidade
                                                cósmica. O Cosmos na sua
                                                totalidade pode tornar-se uma
                                                hierofania”. 
                                                 
                                                A propósito do aspecto
                                                vivencial do sagrado, destaca
                                                o seguinte: “(...) o sagrado
                                                e o profano constituem duas modalidades
                                                de ser no mundo, duas situações
                                                existenciais assumidas pelo homem
                                                ao longo da sua história”.
                                                O escritor romeno salienta que
                                                o estudo dessas vivências
                                                interessa não só ao
                                                historiador das religiões,
                                                mas também “(...)
                                                a todo investigador desejoso
                                                de conhecer as dimensões
                                                possíveis da existência
                                                humana”. Embora na caracterização
                                                das vivências do sagrado
                                                e do profano, Mircea Eliade acuda
                                                a exemplos da história
                                                das religiões, o seu interesse
                                                inicial é identificar
                                                as feições essenciais,
                                                arquetípicas, delas, notadamente
                                                da experiência religiosa.  “O
                                                que nos interessa em primeiro
                                                lugar – frisa Mircea Eliade – é apresentar
                                                as dimensões específicas
                                                da experiência religiosa,
                                                salientar as suas diferenças
                                                com a experiência profana
                                                do Mundo. Não insistiremos
                                                sobre os inumeráveis condicionamentos
                                                que a experiência religiosa
                                                do Mundo sofreu no curso do Tempo
                                                (...). 
                                                 
                                                O homem religioso tem horror
                                                da homogeneidade do espaço
                                                profano. Desnorteia-se nele.
                                                Perde ali o referencial. Assim
                                                como na nossa existência
                                                do dia-a-dia, na consolidação
                                                do nosso mundo particular, há  espaços
                                                mais significativos do que outros
                                                (a cidade dos primeiros amores,
                                                a terra natal etc.), que nos
                                                permitem estruturar a nossa própria
                                                orientação, de
                                                forma semelhante para o homem
                                                religioso há a imperiosa
                                                necessidade de encontrar o espaço
                                                sagrado, a partir do qual possa
                                                se orientar no universo. Ora,
                                                a experiência dessa necessidade é arquetípica.
                                                A respeito, frisa Mircea Eliade:  “Digamos
                                                imediatamente que a experiência
                                                religiosa da não-homogeneidade
                                                do espaço constitui uma
                                                experiência primordial,
                                                homologável a uma ‘fundação
                                                do mundo’. Não se
                                                trata de uma especulação
                                                teórica, mas de uma experiência
                                                religiosa primária, que
                                                precede toda a reflexão
                                                sobre o mundo. É a ruptura
                                                operada no espaço que
                                                permite a constituição
                                                do mundo, porque é ela
                                                que descobre o ‘ponto fixo’,
                                                o eixo central de toda a orientação
                                                futura. Quando o sagrado se manifesta
                                                por uma qualquer hierofania,
                                                não só há ruptura
                                                na homogeneidade do espaço,
                                                mas há também revelação
                                                de uma realidade absoluta, que
                                                se opõe à  não-realidade
                                                da imensa extensão envolvente.
                                                A manifestação
                                                do sagrado funda ontologicamente
                                                o mundo (...)” 
                                                 
                                                Assim como o homem religioso
                                                procura sacralizar o espaço,
                                                insere-se sua existência,
                                                também, no contexto de
                                                um tempo sagrado, tempo primordial,
                                                raiz ontológica do tempo
                                                profano, do dia-a-dia.  “(...) É – frisa
                                                Mircea Eliade – um tempo
                                                ontológico por excelência,  ‘parmenidiano’(1) mantém-se
                                                sempre igual a si mesmo, não
                                                muda nem se esgota. Com cada
                                                festa periódica reencontra-se
                                                o mesmo tempo sagrado – o
                                                mesmo que se manifestara na festa
                                                do ano precedente ou na festa
                                                de há um século: é um
                                                tempo criado e santificado pelos
                                                Deuses quando das suas gesta,
                                                que são justamente reatualizadas
                                                pela festa. Por outros termos,
                                                reencontra-se na festa a
                                                primeira aparição
                                                do tempo sagrado, tal qual
                                                ela se efetuou ab origine,
                                                in illo tempore. (...)  Criando
                                                as diferentes realidades que
                                                constituem hoje o mundo, os Deuses fundavam
                                                igualmente o tempo sagrado,
                                                visto que o tempo contemporâneo
                                                de uma criação
                                                era necessariamente santificado
                                                pela presença e a atividade
                                                divinas”. 
                                                 
                                                Daí a importância
                                                definitiva que as Festas representam
                                                para o homem religioso. Porque
                                                são elas, sem dúvida,
                                                os momentos sagrados que consagram
                                                o sentido da vida humana, inserindo-a
                                                num contexto sacral. “Na
                                                festa – frisa Mircea Eliade – reencontra-se
                                                plenamente a dimensão
                                                sagrada da Vida, experimenta-se
                                                a santidade da existência
                                                humana como criação
                                                divina. No resto do tempo, há sempre
                                                o risco de esquecer o que é fundamental:
                                                que a existência não é ‘dada’ por
                                                aquilo que os modernos chama ‘Natureza”,
                                                mas sim que é uma criação
                                                dos Outros, os Deuses ou os seres
                                                semidivinos. Mas nas festas reencontra-se
                                                a dimensão sagrada da
                                                existência, tornando-se
                                                a aprender como é que
                                                os Deuses ou os Antepassados
                                                míticos criaram o homem
                                                e lhe ensinaram os diversos comportamentos
                                                sociais e os trabalhos práticos”. 
                                                 
                                                Eliade apresenta exemplos edificantes
                                                da permanência, em nossa
                                                vida cotidiana, dessas experiências
                                                primordiais. A título
                                                de exemplo, basta referir que,
                                                no sentir de Mircea Eliade, a
                                                experiência primeira do
                                                espaço sagrado constitui
                                                a base a partir da qual se desenvolve
                                                a arquitetura urbana, domiciliar
                                                e religiosa. “A arquitetura
                                                sacra – frisa o nosso autor –  não
                                                faz mais portanto do que retomar
                                                e desenvolver o simbolismo cosmológico
                                                já  presente na estrutura
                                                das habitações
                                                primitivas. Por seu turno, a
                                                habitação humana
                                                fora precedida cronologicamente
                                                pelo ‘lugar santo’ provisório,
                                                pelo espaço provisoriamente
                                                consagrado e cosmisado (...).
                                                Isto é o mesmo que dizer
                                                que todos os símbolos
                                                e rituais concernentes aos templos, às
                                                cidades e às casas derivam,
                                                em última instância,
                                                da experiência primária
                                                do espaço sagrado”. 
                                                 
                                                Do que se indicou precedentemente,
                                                depreende-se uma característica
                                                do conteúdo transmitido
                                                pelo mito, que forma parte da
                                                mentalidade do homem religioso:
                                                para ele, nas palavras de Mircea
                                                Eliade, “(...) o essencial
                                                precede à existência.
                                                Isto é verdade tanto para
                                                o homem das sociedades ‘primitivas’ e
                                                orientais como para o judeu,
                                                o cristão e o muçulmano.
                                                O homem é aquilo que é hoje
                                                porque uma série de acontecimentos
                                                ocorreram ab origine.
                                                Os mitos contam-lhe esses acontecimentos
                                                e, ao fazê-lo, explicam-lhe
                                                como e por que razão ele
                                                foi constituído desse
                                                modo. Para o homem religioso,
                                                a existência real, autêntica,
                                                começa no momento em que
                                                recebe a comunicação
                                                dessa história primordial
                                                e assume as suas conseqüências.
                                                Há sempre história
                                                divina, pois as personagens são
                                                os Seres sobrenaturais e os Antepassados
                                                míticos (...)”.  Para
                                                Eliade, como oportunamente lembra
                                                Luiz Carlos Lisboa, (Um pioneiro
                                                chamado Eliade. Cultura  – O
                                                Estado de São Paulo,
                                                V (309), 1986): “o sagrado
                                                está na estrutura da consciência
                                                e de forma alguma é apenas
                                                uma fase da história dessa
                                                consciência”. (Ver
                                                também ELIADE). 
                                              
                                                
                                                  
                                                    (1) O
                                                    título completo do
                                                    livro é  O sagrado
                                                    e o profano: a essência
                                                    das religiões.
                                                    A edição original
                                                    apareceu em francês.
                                                    A tradução
                                                    ao português foi efetivada
                                                    pela Editora Livros do Brasil,
                                                    de Lisboa. A edição
                                                    brasileira é  da Martins
                                                    Fontes (1992).   
                                                 
                                                
                                                  (1) Refere-se
                                                    a Parmênides, filósofo
                                                    grego (515-440 a.C.), considerado
                                                    o primeiro a afirmar a existência
                                                    de uma permanência
                                                    naquilo que aparece, idéia
                                                    que mereceria grande elaboração
                                                    tanto em Platão como
                                                    em Aristóteles.  
                                                 
                                               
                                                
                                                
                                                
                                                
                                                
                                                
                                               
                                                
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