Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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GUIZOT, François

François Guizot nasceu em Nimes, França, em 1787, no seio de uma família da velha burguesia protestante. O seu pai era advogado e foi guilhotinado no ano II da Revolução, num momento, frisa um dos principais estudiosos de seu pensamento, Pierre Rosanvallon, “em que o confronto entre os membros do partido da montanha e os girondinos exprimia também a luta do pequeno povo católico contra a burguesia protestante.” (Le moment Guizot, Paris, Gallimard, 1985). Sua mãe levou-o para Genebra, onde recebeu a sua primeira formação, num ambiente marcado pelo liberalismo e o pietismo calvinista. Aos 19 anos retornou à França, trabalhando como preceptor em casa de família, para custear os estudos. Concluiu a Faculdade de Direito e ingressou no serviço público. A partir de 1812 é professor de história moderna na Universidade.

Com a restauração e a chegada dos Ultras ao poder, forma na oposição.

É dessa fase a grande elaboração teórica que efetiva, tornando-se o principal formulador do denominado Liberalismo doutrinário, que é a expressão do liberalismo no Continente já que até então achava-se confinado à Inglaterra. Nesse período destacam-se os seguintes escritos: Du gouvernement répresentatif et de l’ état actuel de la France (1816); reimpresso várias vezes com alguns acréscimos, constituiu o manifesto inicial dos doutrinários. Monarquista constitucional, Guizot colocou-se numa posição intermediária entre os ultras e os radicais. Seguem-se as obras intituladas Des conspirations et de la justice politique (1821), Des moyens de gouvernement et d’ opposition dans l’ état actuel de la France (1821), De la peine de mort em matière politique (1822), expressivas de um estilo muito peculiar, de quem faz oposição de maneira construtiva, avaliando criticamente a situação, mas deixando entrever soluções viáveis. Analistas consideram-nas conselhos mais que ataques aos seus adversários. Em que pese a sua moderação, as desavenças políticas terminaram fazendo com que perdesse a sua cadeira de história na Sorbonne, tendo o seu curso sido clausurado em 1825. Pouco antes, Guizot tinha publicado o resumo das suas aulas sob o título de Histoire du gouvernement représentatif (2 volumes).

Nessa época, de outro lado, o nosso autor empreendeu a primeira série dos seus trabalhos históricos, que lhe dariam definitivo renome no universo das letras francesas. Publicou o seu Essai sur l'histoire de France; Collection des mémoires relatifs à la révolution d'Anglaterre (26 volumes); a Collection des mémoires relatifs à l'histoire de France (jusqu'au XIIIe. siècle) (em 31 volumes); e a Histoire de la révolution d'Anglaterre, depuis l'avénement de Charles Ier. jusquà l'avénement de Charles II (primeira parte).

Juntamente com Victor Cousin, estruturou o ensino público francês. Dos seus cursos na Sorbonne surgiram outras obras importantes: Cours d'histoire moderne; Histoire générale de la civilisation en Europe; Histoire générale de la civilisation en France.
Sua proeminência política adveio da participação no governo saído da Revolução Liberal de 1830. Foi Ministro do Interior em seu início, incumbindo-se da revisão da Carta; organizou o gabinete iniciado em 1832, que durou quatro anos, integrando-o como Ministro da Instrução Pública; e, finalmente, em setembro de 1847 assumiu as funções de Presidente do Conselho de Ministros, cargo no qual foi surpreendido pela Revolução de fevereiro de 1848.

Situado à margem da vida política, Guizot desenvolveu amplo magistério intelectual e moral ao longo de todo o Segundo Império. Prosseguiu com os seus trabalhos historiográficos, acabando a sua Histoire de la révolution d'Angleterre (1854-1856) e escrevendo ensaios sobre Monk e Sir Robert Peel. Entre 1858 e 1867 publicou os oito volumes das suas Mémoires pour servir à l'histoire de mon temps, reeditou, acrescentando novos capítulos, o seu antigo curso dado em 1820-1822 e intitulado Histoire des origines du gouvernement représentatif, publicou os cinco volumes que integram a sua Histoire de France rancontée à mês petits-enfaints e reuniu os seus discursos nos cinco volumes que integram a sua Histoire parlamentaire de France.

Guizot pertenceu à Academia Francesa. Faleceu em 1874, aos 87 anos de idade.

"Passar a França pós-revolucionária a limpo", esse poderia ter sido o princípio inspirador dos chamados doutrinários, Guizot à testa. Quanto ao nome dessa corrente, explica Rosanvallon: "A denominação de doutrinários, que parece ter sido utilizada pela primeira vez em 1817 nos corredores da Câmara dos Deputados, referia-se no início unicamente a Camille Jordan, de Broglie e Royer-Collard. A expressão caracterizará em seguida a corrente indissociavelmente intelectual e política que se estruturará progressivamente ao redor de Guizot, aparecendo este após 1820 como o verdadeiro líder do que no início não era mais do que um pequeno grupo de parlamentares". O grupo dos doutrinários esteve também integrado por Benjamin Constant (como figura precursora), Remusat e de Serre. Tocqueville, como frisa Ubiratan Macedo, "a rigor, não pode ser agregado aos doutrinários mas é impensável sem eles e corresponde certamente ao corolário de sua obra".

O projeto político de Guizot correspondia, ainda segundo Rosanvallon, na obra citada, ao ideal de "finalizar a Revolução, construir um governo representativo estável, estabelecer um regime que, fundado na Razão, garantisse as liberdades. Esses objetivos definem a tripla tarefa que se impõe a si mesma a geração liberal nascida com o século. Tarefa indissoluvelmente intelectual e política, que especifica um momento bem determinado do liberalismo francês: aquele durante o qual o problema é prevenir a volta de uma ruptura mortal entre a afirmação das liberdades e o desenvolvimento do fato democrático. Momento conceptual que coincide com o período histórico (da Restauração e da Monarquia de Julho), no curso do qual essa tarefa está praticamente na ordem do dia e que se distingue, ao mesmo tempo, do momento ideológico, que prolonga a herança das Luzes, e do momento democrático, que se inicia depois de 1848 (...)".  (Ver também CONSTANT, Benjamin e História da civilização na Europa, de GUIZOT, François).

 

 

 

 

 

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