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Saint-Simon e Proudhon dão nascedouro
      ao  socialismo francês

 

Saint-Simon (1760/1825), ilustre membro da aristocracia francesa (Conde), é considerado como um dos pensadores que mais influiu sobre o nascente socialismo francês, embora sua preocupação consistisse em lograr a organização científica da sociedade. Assim, o cientificismo seria uma de suas idéias que sobreviveriam no novo movimento, em especial no marxismo, que iria reivindicar ter realizado aquela aspiração do saint-simonismo. Saint-Simon não teria conseguido dar-lhe acabamento por haver pretendido, simultaneamente, considerar-se o “novo cristianismo”. O seu traço essencial consiste entretanto no messianismo.

Na sua obra Messianismo Político (tradução espanhola, México, Aguilar, 1969) J.L. Talmon fez uma completa caracterização do saint-simonismo como doutrina que influenciou, no decorrer do século XIX, nas restantes manifestações do fenômeno messiânico, que empolgou o pensamento de autores tão variados quanto Augusto Comte, Michelet (1798/1874), Mazzini (1805/1872) e o próprio Marx (1818/1883).

O Conde Claude de Saint-Simon estava animado por um profundo sentimento apocalíptico, que o fazia entrever o nascimento de uma religião universal que impusesse a organização pacífica da sociedade. Eis um trecho bem característico desse sentimento: “Isto é o que dizemos sem dilação: os dias das soluções incompletas chegaram ao fim. É necessário dirigir-se resolutamente em direção do bem geral. É a verdade na sua totalidade o que deve ser salientado perante as circunstâncias atuais: é chegado o momento da crise. Essa crise profetizada por muitos dos textos do Antigo Testamento e para a qual, durante muitos anos, têm se preparado ativamente as sociedades bíblicas, é a crise cuja existência acaba de demonstrar a instituição da Santa Aliança, união fundada nos mais generosos princípios de moralidade e religião.

Esta é a crise que os judeus esperaram desde quando, expulsos do seu país, têm andado errantes, vítimas de perseguições, sem renunciar nunca à esperança de ver o dia em que os homens conviveriam como irmãos. Finalmente, essa crise tende diretamente ao estabelecimento de uma religião autenticamente universal e a impor a todos os povos uma organização pacífica da sociedade.” Essa era a forma em que Saint-Simon encarava a profunda crise da sociedade européia, materializada na queda do Ancien Régime a partir da Revolução Industrial e, principalmente, da Revolução Francesa.

Perante essa situação de crise, Saint-Simon não duvidava em se identificar como peça-chave na redenção da humanidade. “Estava convencido – frisa Talmon – de ser um Napoleão da ciência e da indústria pela promessa que lhe fez Carlos Magno, durante um sonho que teve quando esteve preso na cadeia de Luxemburgo, em 1794, de que conseguiria tanta glória como filósofo, quanto o seu famoso antecessor tinha alcançado nas artes da guerra e do governo (...)”.

À Revolução de 1789 o Conde Saint-Simon tinha assistido passivamente, como observador arguto, em que pese o fato de ter sido eleito em 1790 como presidente da assembléia eleitoral de sua comuna, o que motivou a renúncia ao título de nobreza. A Revolução Francesa não foi, no sentir do filósofo, uma révolution régéneratrice, mas um espetáculo de destruição, de inútil debate e de desordem social. E frisava a respeito dessa situação de crise: “É a falta de idéias gerais o que nos tem levado à ruína; não poderemos renascer automaticamente senão com a ajuda de idéias gerais; as velhas idéias caíram (...) e já não é possível rejuvenescê-las. Precisamos de idéias novas (...), um sistema, quer assim dizer, uma forma de opinião que seja, por natureza, cortante, absoluta e exclusiva”.

Nenhum dos heróis da Revolução Francesa mereceu a admiração de Saint-Simon. Napoleão, pelo contrário, correspondeu aos seus ideais, não como militar ou conquistador, mas como (...) “o chefe científico da humanidade (...) e a sua cabeça política”, que legislou alicerçado em princípios racionais.

Na procura de um princípio total que permitisse a explicação racional do universo, Saint-Simon termina professando uma visão determinística do homem, que Talmon tipifica assim: “(... ) O homem é como um pequeno relógio dentro de outro maior, o universo, do qual recebe a energia que precisa para movimentar-se. Saint-Simon sonhava com deduzir passo a passo as leis determinantes do universo em ordem de sucessão (...) para, no final, chegar às leis da organização social mediante a reconstrução prévia da interdependência do orgânico e do inorgânico, dos corpos fixos e dos fluidos, da matéria e do movimento (...)”.

Nesse contexto, a sociedade é concebida como verdadeira máquina organizada ou como um organismo que, ao longo dos tempos, criou os próprios órgãos para adaptar-se às diferentes situações. A unidade inteligível da história não é nem o Estado, nem a nação, mas a sociedade organicamente considerada. As suas forças e processos não são criação deliberada de ninguém mas fruto do organismo social.

O essencial dos processos sociais é representado, no entanto, pelos sistemas filosóficos que seriam, assim, o principal mecanismo de adaptação do organismo social às diferentes épocas. Como frisa Talmon, todo sistema social é, assim, “a aplicação de um sistema filosófico. A religião, a política, a moral, a instrução pública, não são mais do que reflexo e aplicação de um sistema de idéias, uma Weltanschanung (...)”.

Em virtude do caráter orgânico da sociedade, a expressão dos sistemas de idéias corresponde, nas diferentes épocas históricas, a uma cabeça que pensa pelo todo social. Como frisa Bréhier, Saint-Simon (...) “é aristocrata demais para poder acreditar que o povo, em cujo favor trabalha, seja capaz de fazer alguma coisa a favor da sua renovação”. Assim, cumpre identificar a quem estava encomendada a tarefa de explicitar o novo sistema de idéias que regeneraria a sociedade após a Revolução Francesa.

Analisando as mudanças ocorridas na sociedade européia, e particularmente na França, a partir da Revolução de 1789, Saint-Simon considera que o organismo social caminha inexoravelmente rumo à organização científica, com a emergência da Sociedade Industrial. Tal sociedade se caracteriza basicamente por duas notas: em primeiro lugar, o esforço produtivo industrial é objetivo, pois os seus elementos são mensuráveis e tangíveis para todos, e o seu funcionamento é uma questão de precisão e de disciplina de caráter científico. Não há lugar para opiniões no campo da química ou das matemáticas: ou são conhecidas ou não. Em segundo lugar, trata-se de uma organização com um grau máximo de coesão e integração, o que realça justamente o caráter orgânico da sociedade. Saint-Simon é enfático ao afirmar que o advento do sistema industrial é um processo irreversível da sociedade: “Todos os povos do mundo avançam em direção de uma mesma meta: a transição do sistema governamental, feudal e militar, ao administrativo, industrial e pacífico (...). Não há força capaz de se opor a essa marcha (...). O nosso plano de organização social provém diretamente do avanço do espírito humano e a sua adoção é conseqüência inevitável do passado político da sociedade européia”.

A elite pensante que presidirá como cabeça do corpo social, deve ser integrada pelos industriais, que são os que figuram na frente da implantação do sistema industrial. A sua gestão na sociedade não se revestirá mais do  caráter coercitivo das épocas anteriores, pois prevalecerá não a força, mas a razão das coisas. Todo o trabalho a ser feito consistirá, portanto, em explicar a cada um o lugar que deve ocupar no corpo da sociedade industrial. O fato de o novo sistema ser objetivo (quer dizer, como frisamos, mensuráveis e tangíveis os seus elementos por parte de todos), facilita a organização consciente e ordeira do corpo social. Entra aqui a questão da divisão do trabalho, que é explicada – frisa Talmon – como (...) “uma classificação dos homens encarregados de guiar e homens guiados, em pessoas possuidoras de conhecimentos e pessoas às quais servir com esses conhecimentos. Médicos, engenheiros e químicos empregam a sua sabedoria segundo necessidades objetivas e não para conseguir poder pessoal. Eles são obedecidos não porque sejam senhores mais fortes, mas porque os homens têm interesse em ser dirigidos por eles. A obediência é espontânea, quase automática e, portanto, a relação entre quem dirige e é dirigido não implica coação alguma. O próprio Saint-Simon salienta que, no sistema industrial, os homens desfrutarão com essa ordem de coisas do mais alto grau de liberdade compatível com o estado da sociedade”.

Em que pese o fato do caráter irreversível da sociedade industrial, Saint-Simon considera que o seu advento deve ser induzido por uma outra elite esclarecida: os savants positifs, a cuja frente ele próprio se coloca. O papel deles consiste em preparar a grande Revolução que será a passagem da sociedade tradicional para a industrial. Saint-Simon prevê “uma ação que, por sua natureza, é brusca e cortante, pois esta produção tende a modificar subitamente os hábitos intelectuais assumidos pelo espírito público”. Contudo, não fica confirmado esse caráter aparentemente violento da Revolução, quando Saint-Simon entra a explicar a forma em que deverão proceder os savants positifs na efetivação da mesma. O papel deles é eminentemente persuasivo, não violento, devendo limitar-se a mostrar aos reis, povos, aristocracias e governos a inevitabilidade do advento do sistema industrial, cujo caráter construtivo será também explicado. Assim advirá a sociedade industrial.

No caso particular da França, Saint-Simon considera que o processo se pode acelerar convertendo o rei para o novo sistema, já que ele tinha poder suficiente para modificar toda a estrutura social e fazê-la ingressar na etapa industrial, com um simples decreto. Esse é o sentido que inspirou a petição feita pelo filósofo ao rei Bourbon para que tomasse a iniciativa e se declarasse cabeça da ditadura “encarregada de aniquilar o regime teológico-feudal e estabelecer o sistema científico e industrial” tornando-se ele, assim, o primeiro dos industriais. A idéia de ditadura como peça essencial à nova organização social teria, como se sabe enorme fortuna, notadamente na doutrina marxista.

Em que pese o papel de liderança atribuído por Saint-Simon aos industriais e aos savants positifs, aos poucos foi reconhecendo a necessidade de alicerçar o comportamento coletivo harmônico numa base mais ampla do que a pura ciência, a fim de abranger os sentimentos humanos, que jogam um papel tão importante na conduta dos homens.

Concluiu que o fator religioso desempenhava um papel de primeira ordem na organização social. “A Religião – escreveu o filósofo – tem servido e servirá sempre como base da organização social (...); a humanidade tem atravessado crises científicas, morais e políticas sempre que a ideologia religiosa tem experimentado algum câmbio”. E dedicou a última parte da sua vida à procura desse embasamento religioso para a sociedade industrial.

O Nouveau Christianisme de Saint-Simon inspira-se na Religião Civil, que o filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712/1778) propôs na última parte da sua obra Do Contrato Social (1762). Partindo do fato da desigualdade humana criada pela sociedade, que Rousseau explica no seu livro A origem da desigualdade entre os homens (1753), o filósofo salienta que só no surgimento de uma Religião Civil, que unifique as mentes e as vontades ao redor do Estado, poderá ser conseguida a ordem social e política. Como o próprio Rousseau reconhece, ele é inspirado, em parte, pela proposta do poder único e indivisível em mãos do Estado, que Thomas Hobbes (1588/1679) tinha formulado um século atrás no Leviatã (1651) para superar o estado de guerra permanente ou de insegurança coletiva.

Proudhon seria outro expoente da doutrina socialista, com a singularidade de que suas idéias alcançaram grande popularidade na época da Revolução de 48 e nas décadas subseqüentes.

Pierre-Joseph Proudhon (1809/1864) nasceu em Bensançon, França, adquirindo sua formação no colégio local. Em 1826, quando tinha apenas 18 anos, a indústria pertencente a seu pai entrou em crise, o que o obrigou a buscar emprego. Trabalhou então como tipógrafo mas continuou, como autodidata, a estudar. Ainda adolescente, torna-se partidário das idéias de Charles Fourier (1772-1837), economista de certa nomeada que publicara, em 1820, a obra Le nouveau mode industriel et societaire, em que preconiza seja a atividade produtiva organizada no que denominou de "falanstério". Tratava-se de uma associação voluntária de proprietários, capitalistas e operários, recebendo cada um número de ações proporcional a sua contribuição. Condenava o capitalismo por entender que a concorrência trazia grandes malefícios para a sociedade. Divulgou também suas idéias numa revista (Revista Industrial ou Falanstério), que circulou entre 1832 e 1849, isto é, sobreviveu a sua morte mas não a Revolução de 48. Fourier foi arrolado por Marx entre os "socialistas utópicos".

Na década de quarenta, Proudhon entreteve relações com Marx. Estudiosos indicam que o contato de Marx com os socialistas franceses influiu grandemente em sua obra, notadamente o "cientificismo" presente à meditação de Proudhon.

Considera-se que o livro O que é a propriedade, aparecido em 1840, corresponda à obra fundamental de Proudhon. Em 1846, publicou A filosofia da miséria, que Marx criticaria no livro A miséria da filosofia (1847).

Com a Revolução de 48, Proudhon elege-se deputado. Contudo, sob Napoleão III seria perseguido e preso.

Faleceu em 1864, aos 55 anos de idade. O fato de que Proudhon, sendo um intelectual de nomeada, tivesse trabalhado como tipógrafo muito impressionou ao poeta português Antero de Quental (1842-1891) que, sendo socialista, resolveu fazer a mesma experiência. Procurando dourar a pílula quanto à origem burguesa de Proudhon, Jesus Silva Herzog, incumbido de preparar para o Fondo de Cultura Econômica, do México, uma Antologia do Pensamento Econômico-Social, aparecida em 1963, escreveu esta preciosidade: "su padre fue un honrado elaborador de cerveza, en pequena e escala".

O que é a propriedade
, publicado em 1840, consiste numa tentativa do autor, Pierre-Joseph Proudhon, de dar continuidade à meditação de Rousseau, associando-a ao movimento socialista que assumiu uma expressão concreta na França de seu tempo. Rousseau havia postulado que, eliminando-se as instituições opressoras criadas pela sociedade e permitindo-se a emergência da vontade geral, o povo saberia encontrar o seu destino numa espécie de assembléia permanente. Os rumos seguidos pela Revolução Francesa mostraram o caráter ilusório daquela postulação. Entretanto, as gerações seguintes passaram a entender que semelhante desfecho não significava a impossibilidade de uma sociedade justa. A linhagem Saint Simon, Fourrier e Augusto Comte tratou de comprovar que, pela constituição de uma ciência da sociedade, pode-se chegar a um consistente projeto de reforma social. Agora o governo é uma questão de competência. O que é a propriedade reflete esse conjunto de influências. O homem é bom e o progresso é possível, como queria Rousseau. Ainda. assim, tal resultado não advirá espontaneamente mas de descobertas cientificas que indiquem, de modo preciso o caminho a seguir. A contribuição de Proudhon consiste em pretender sofisticar essa argumentação, acrescentando-lhe a dialética hegeliana: a sua proposta é apresentada como uma síntese de uma tese e de uma antítese anteriores. Por tudo isto considera-se que influi sobremaneira no pensamento de Carlos Marx, cujo socialismo científico ter-se-ia inspirado em Proudhon. O rompimento entre os dois, que se deu mais tarde, decorreria do empenho de Marx de defender, a todo custo, a originalidade de sua doutrina.

O que é a propriedade
contém de início a apresentação do método que seguirá o autor. Consiste em tentar provar que a Revolução Francesa buscou cumprir o legado de Cristo no tocante à realização da justiça mas fracassou porque os grandes textos que a definem – O contrato social, de Rousseau, e O que é o Terceiro Estado, de Sieyés – não atentaram para a questão central.

Joseph Sieyés (1748-1836), vigário geral de Chartres, ganhou popularidade com o livro indicado, aparecido em 1789, que o tornaria, durante a Revolução, figura expressiva, presidente do denominado "Quinhentos" que exerceu o poder em 1795, depois membro do Diretório (1799). Prepara com Bonaparte o golpe que leva este último ao poder, tornando-se Cônsul, personalidades com as quais Bonaparte governou de início. Veio a ser afastado do poder mas, ainda assim, cumulado de honras. O que é o Terceiro Estado incendiou as mentes porque defendia a hipótese de que, não sendo nada no regime vigente, poderia ser tudo, se a tanto se dispusesse.

 A Revolução proclamou que todos os homens são iguais por natureza e perante a lei. A igualdade natural não corresponderia a atributos físicos ou psíquicos mas à igualdade civil e política. Portanto, bastaria ter feito referência ao segundo aspecto. E acrescenta: “Mas o que é a igualdade perante a lei? A Constituição de 1790, a de 93, a Grande Carta (1814) e tampouco a Carta “aceita” (1815) foram capazes de defini-la. Admitem a desigualdade de fortuna e de status, de todo incompatíveis com a mais tênue igualdade de direitos. A esse respeito pode-se dizer que todas as nossas Constituições foram expressões infiéis da vontade popular”.

Depois de apresentar fatos que, a seu ver, comprovariam terem sido sucessivamente marginalizados os despossuídos, afirma que os três princípios fundamentais da sociedade moderna, consagrados pela Revolução Francesa são 1) o despotismo; 2) a desigualdade de renda e 3) a propriedade. Sua investigação destina-se a examinar se essas idéias estão em harmonia com a primitiva noção de justo. Sua análise subseqüente concentra-se na refutação das justificativas da existência da propriedade. De início a doutrina de que corresponderia a um direito natural (Capítulo 2) e, no seguinte (Capítulo 3) de que proviria do trabalho.

O  argumento contra a tese de que a propriedade seria um direito natural repousa na análise dos textos constitucionais que a consideram inviolável, juntamente com a segurança e a liberdade. Entende que aquele atributo (a inviolabilidade) somente se aplicaria aos dois últimos. Associa-o também à manutenção do status quo e à injustiça de conservar na pobreza à imensa maioria, a pretexto daquela inviolabilidade. Também a idéia de que seria proveniente da ocupação parece-lhe insubsistente porquanto seria uma usurpação da parte do primeiro ocupante.

Quanto à teoria de que o valor da propriedade provém do trabalho (das benfeitorias) que ali tenha sido realizado, a crítica de Proudhon tangencia o essencial. Essa doutrina surgiu nos países protestantes e tinha sobretudo o propósito de enaltecer a. riqueza, condenada pelos católicos. Subsidiariamente, tratava-se de negar ao monarca o direito de revogar os títulos daqueles nobres em luta contra o absolutismo. Proudhon fixa-se na tese de que contradiz a legislação francesa, segundo entende sustentada pela doutrina da ocupação. Adicionalmente afirma que a terra, como os mares, não pode ser apropriada por ninguém.

Nesse texto, Proudhon resume a argumentação de Saint-Simon e de Fourrier em favor do socialismo. Se o trabalho justifica a propriedade, os trabalhadores é que detêm o seu direito. E, assim, conclui, a doutrina em causa destrói a propriedade.

O quarto e último capítulo está dedicado a provar a impossibilidade da propriedade. Esquematicamente, as teses são as seguintes a propriedade é impossível, porque 1) exige que se retire algo do nada; 2) onde quer que exista, a produção custa mais que o seu valor; 3) dado um determinado capital, a produção é proporcional ao trabalho e não à propriedade; 4) trata-se de um homicídio; 5) com a sua existência, a sociedade devora a si mesma; 6) é a mãe da tirania; 7) usando-a como capital, volta-se contra a produção; 8) seu poder de acumulação é infinito, enquanto se exerce sobre quantidades finitas; e, finalmente, 8) consiste na maior negação da igualdade.

A conclusão da obra está apresentada desde o começo: a propriedade é um roubo. Proudhon não poderia supor que o capitalismo seria capaz de promover a distribuição de renda e disseminar a propriedade. No fundo, acreditava na hipótese de Marx segundo a qual formar-se-iam dois pólos, ambos absolutos, o da natureza e o da riqueza. Quando Lenine percebeu a emergência, na Europa, de uma camada de operários bem remunerados, chamou-os de "aristocracia operária", imaginando que a distribuição de renda não daria outros passos. O equívoco de Proudhon condenou sua obra ao completo esquecimento. De todos os modos, enfatizou sobretudo o aspecto moral do socialismo, ajudando essa corrente a se transformar num segmento importante da realidade de nosso tempo, no Ocidente, ao contrário do cientificismo de Marx que se identificou sobretudo com tradições orientais, a exemplo do despotismo, em sua versão russa.